O lado do consumidor de vinho, do enófilo, o nosso lado, bebe e aprecia as virtudes e defeitos do vinho. Tem de levar em conta naturalmente seu preço, a relação custo/benefício, do vinho do dia-a-dia e do vinho para as ocasiões especiais. Como as preferências, o paladar, as circunstâncias e as posses variam bastante, as possibilidades de escolha do vinho são praticamente infinitas.
Já do outro lado do balcão, do produtor, do importador ou do distribuidor desses mesmos vinhos, dos correntes aos vinhos-de-sonho, a perspectiva é outra.
Historicamente houve um tempo em que se dizia que a maior virtude do vinho nacional era o preço do importado. Os tempos mudaram. Sem falar em qualidade, mesmo porque o gosto é pessoal, temos hoje no mercado vinhos nacionais e importados, caros e baratos. Com o tempo parte expressiva de nossos produtores chegou à conclusão que o bom vinho importado é aliado do vinho nacional, sendo seus “inimigos” na realidade o vinho de preço aviltado, o baixo consumo e o contrabando.
Essa visão do setor proporcionou progressos importantes, como a redução do IPI para os vinhos espumantes, a desoneração dos insumos da produção (rolhas, cápsulas, etc.), o leilão de estoques excedentes e até a aprovação da mudança da taxação ad-valorem para um valor fixo por garrafa, ad-rem. Em outras palavras, o bom senso favoreceu o vinho nacional, desonerando-o, o que é diferente de procurar onerar o importado, em um país onde o consumo do vinho é pífio, também pela alta tributação que sobre ele incide.
Os recentes movimentos de revindicação do setor têm se apoiado em argumentos discutíveis. Para sensibilizar a opinião pública e a classe política, alega-se que o vinho nacional representa apenas 20% do mercado, o que não corresponde aos fatos. Na realidade a participação nacional é de 85%, dos quais 80% (do total), são de vinhos comuns, de variedades americanas e apenas 5% de vinhos finos, de viníferas. Assim , de nosso consumo anual médio per capita, de 2 litros, 85% (1,7 l) é de “vinho brasileiro”. O argumento de que mais de 20 mil famílias se dedicam a vitivinicultura desses 20% da produção também não procede. A grande parte da produção de vinhos finos nacionais está em mãos de poucas empresas maiores (quatro principalmente: Miolo, Salton, Aurora e Valduga), que, mecanizadas e automatizadas, empregam relativamente pouco pessoal.
Com a consciência de seu poder e influência e com a circunstância de terem no momento aliados conterrâneos em Brasília, o setor de vinhateiros pretende agora tentar convencer as autoridades com base em premissas falsas, recorrendo à “lei de Gerson”. Setores do setor produtor nacional procuram emplacar argumentos falsos na tentativa de convencer os ministros Tarso Genro e a toda poderosa Dilma Roussef além do líder do governo na Câmara, Henrique Fontana. Como no passado, é preciso ter em conta que, dependendo do que se pretende, o resultado pode vir a ser um “tiro no pé”. Consideremos algumas dessas pretensões:
Imposto de Importação – Aumentar o imposto de importação (II) não é a solução. Com a adoção do ad-rem em lugar do ad-valorem (27%), de valor médio atual de 3 dólares por litro, o imposto correto seria de 0,80 de dólar por litro (27% de 3 dólares), o que faria o vinho mais barato pagar mais imposto, enquanto o mais caro pagaria relativamente menos. Ocorre que após a adoção do ad-rem, pretendem os produtores aumentá-lo para 5 reais (mais de 2.2 dólares ao cambio atual), por garrafa.
Se considerarmos que um vinho que custe hoje R$ 2 CIF, paga 0,54 de dólar de II (Imposto de Importação), passaria a pagar com o aumento, 2,25 (3x0,75) reais, ou seja, quatro vezes mais do que paga hoje. Levando-se em conta a recente valorização do dólar (de cerca de 50%), conclui-se que aceita essa proposta, esse vinho barato, que concorre com o nacional, passaria a pagar seis vezes mais de II, do que pagava há alguns meses, o que convenhamos é uma ótima “proteção” ao vinho nacional. Ainda assim, nossos produtores pretendem mais. Como alternativa à adoção do ad-rem, deseja-se o aumento do ad-valorem de 27% para 55%, o que seria o fim do bom vinho no país. Será um enorme incentivo para consumo de outras bebidas, isto sim.
Sérgio de Paula Santos
É médico e crítico de vinhos.
Membro-Fundador da Federação Internacional dos Jornalistas e Escritores do Vinho (Fijev), é autor de livros sobre vinhos, o último dos quais, Memórias de Adega e Cozinha, Senac, São Paulo, 2007. Fonte:
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