De São Paulo
Um dos temas mais recorrentes quando se fala em vinho é a relação custo-benefício do produto. Outro tema é o tal vinho do dia a dia, para acompanhar o bife com batatinha... Seja em uma roda de conhecedores ou em um bate-papo com neófitos curiosos, sempre há alguém disposto a dar ou receber uma dica.
O que se pode considerar um bon marche? Depende muito dos graus de exigência, da experiência e do bolso, é claro. E é bom lembrar que não se deve confundir custo-benefício, bon marche ou best value, com "mais barato". Ao menos no mundo dos vinhos, o termo está mais para um misto de gosto pessoal, satisfação psicológica, senso de justiça e teoria da relatividade.
Há alguns anos li uma entrevista do crítico Robert Parker na qual ele dizia que qualquer vinho com preço superior a US$ 10 deveria ser muito bom. Com certeza ele não levava em conta a tributação brasileira para a bebida. Provavelmente, um vinho desses, em um cálculo rasteiro, custa no Brasil algo em torno de R$ 60. Acho que o crítico americano tem sua razão. Mas seria este valor considerado um bom negócio pelo consumidor médio de vinhos daqui?
A experiência me diz que, entre os produtores argentinos, chilenos e portugueses, podemos encontrar excelentes "custos-benefício" entre R$ 30 e R$ 40. Até em uma faixa abaixo destas é possível achar coisas boas. Mas, geralmente, existe um fenômeno desanimador ligado ao segundo ano do produto no mercado.
Explico. Você compra aquela garrafa de R$18 por curiosidade e a descobre como vinho do dia a dia, uma bebida agradável, fácil sem ser vulgar, com estupenda relação custo-benefício. Geralmente, encontra-a em um supermercado ou em uma loja de bebidas do bairro. Volta e compra mais. E mais uma. Acostuma-se com o sabor. Prova o conforto sem se culpar pelo gasto exagerado. O melhor dos mundos.
Passa um tempo, em geral um ano, e um belo dia você encontra este velho amigo na prateleira novamente, mas com um precinho um pouco maior. Digamos R$ 26. A safra é mais recente. As lembranças dos bons momentos vêm à mente e a nova compra é inevitável. Mas qual não é a surpresa quando, ao beber seu vinho em casa, você o descobre bem inferior, óbvio e às vezes até desagradável? É como se seu velho amigo houvesse se transformado completamente.
Não posso afirmar que seja ganância, descuido, incapacidade de aumentar a produção mantendo a qualidade, etc. O fato é que isso acontece muito. Posso citar, de cabeça, a linha Morandé Pioneiro e o Quinta de Cabriz entre vários outros que decepcionaram depois de um primeiro ano muito bom.
Acredito, por isso, que a melhor estratégia é variar. Sempre buscar aquele rótulo novidadeiro. Aquela estreia no mercado. Para isso, vale acompanhar as colunas de lançamentos. Vale também voltar ao velho amigo um ou dois anos depois, para ver se ele se regenerou. Já vi casos em que, após uma queda sensível, o produtor se esforça e consegue resgatar a qualidade inicial. Ok, não é a regra.
O aumento do número de importadores e, consequentemente, da oferta de novos produtores, facilita esta aventura em busca do Santo Graal do vinho nosso de cada dia. Contudo, a faixa mais segura, como disse antes, ainda está acima de R$ 30. E, às vezes, um pequeno investimento a mais pode resultar em uma satisfação proporcionalmente muito maior do que a esperada pela diferença de preço.
Observei isto recentemente no caso dos vinhos chilenos La Ronciere, do Vale de Rapel (importados pela KMM), com quatro linhas de faixas de preços diversas, todas com valores bem coerentes. Qual delas traria a melhor relação custo-benefício?
Alpaca - R$ 38La Ronciere Selection - R$ 42La Ronciere Reserva - R$ 59Nudo - R$ 85
Se alguém está disposto a pagar R$ 38 pelo Carmenére da linha Alpaca 2008, um tinto frutado com toques de especiarias, leve na boca e com sabores de geléia e frutas vermelhas, eu recomendo fortemente desembolsar mais R$ 4 e experimentar o Carmenére 2008 da linha Selection, por exemplo. O vinho passa três meses em barrica e traz um aroma muito mais rico de frutas maduras, canela e caramelo, com um toque de pimenta vermelha na boca e um bom corpo, algo persistente. Um autêntico best value.
Outra surpresa é o Merlot 2008 da linha Selection, pelos mesmos R$ 42. Um tinto de cor rubi, com aromas intensos de frutas secas, biscoito torrado, frutas vermelhas, ótimo ataque, encorpado, acidez muito agradável e persistência média.
Neste momento, nós nos lembramos da relatividade. Digamos que você esteja disposto a gastar um pouco mais. Quem vai dizer que os R$ 85 pelo Nudo 2005 não seriam também um excelente investimento? Ele é um Cabernet Sauvignon chileno, com passagem de 12 meses em parcelas de carvalho americano, francês e do leste europeu. Tem cor escura, nariz muito potente, complexo e interessante. Excelente corpo, macio, taninos muito bem resolvidos, notas de menta, café, caramelo, chocolate, tostados, final leve mas longo e muito agradável. A descrição de um grande vinho.
A seguir este raciocínio, a linha La Ronciere Reserva, de R$ 59 (bem o target do Robert Parker!), com bons vinhos, parece estar em desvantagem em relação aos seus irmãos um pouco mais baratos e um pouco mais caros, se o que procuramos é a epifania da relação custo-benefício. Um paradoxo?
Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical.
Um dos temas mais recorrentes quando se fala em vinho é a relação custo-benefício do produto. Outro tema é o tal vinho do dia a dia, para acompanhar o bife com batatinha... Seja em uma roda de conhecedores ou em um bate-papo com neófitos curiosos, sempre há alguém disposto a dar ou receber uma dica.
O que se pode considerar um bon marche? Depende muito dos graus de exigência, da experiência e do bolso, é claro. E é bom lembrar que não se deve confundir custo-benefício, bon marche ou best value, com "mais barato". Ao menos no mundo dos vinhos, o termo está mais para um misto de gosto pessoal, satisfação psicológica, senso de justiça e teoria da relatividade.
Há alguns anos li uma entrevista do crítico Robert Parker na qual ele dizia que qualquer vinho com preço superior a US$ 10 deveria ser muito bom. Com certeza ele não levava em conta a tributação brasileira para a bebida. Provavelmente, um vinho desses, em um cálculo rasteiro, custa no Brasil algo em torno de R$ 60. Acho que o crítico americano tem sua razão. Mas seria este valor considerado um bom negócio pelo consumidor médio de vinhos daqui?
A experiência me diz que, entre os produtores argentinos, chilenos e portugueses, podemos encontrar excelentes "custos-benefício" entre R$ 30 e R$ 40. Até em uma faixa abaixo destas é possível achar coisas boas. Mas, geralmente, existe um fenômeno desanimador ligado ao segundo ano do produto no mercado.
Explico. Você compra aquela garrafa de R$18 por curiosidade e a descobre como vinho do dia a dia, uma bebida agradável, fácil sem ser vulgar, com estupenda relação custo-benefício. Geralmente, encontra-a em um supermercado ou em uma loja de bebidas do bairro. Volta e compra mais. E mais uma. Acostuma-se com o sabor. Prova o conforto sem se culpar pelo gasto exagerado. O melhor dos mundos.
Passa um tempo, em geral um ano, e um belo dia você encontra este velho amigo na prateleira novamente, mas com um precinho um pouco maior. Digamos R$ 26. A safra é mais recente. As lembranças dos bons momentos vêm à mente e a nova compra é inevitável. Mas qual não é a surpresa quando, ao beber seu vinho em casa, você o descobre bem inferior, óbvio e às vezes até desagradável? É como se seu velho amigo houvesse se transformado completamente.
Não posso afirmar que seja ganância, descuido, incapacidade de aumentar a produção mantendo a qualidade, etc. O fato é que isso acontece muito. Posso citar, de cabeça, a linha Morandé Pioneiro e o Quinta de Cabriz entre vários outros que decepcionaram depois de um primeiro ano muito bom.
Acredito, por isso, que a melhor estratégia é variar. Sempre buscar aquele rótulo novidadeiro. Aquela estreia no mercado. Para isso, vale acompanhar as colunas de lançamentos. Vale também voltar ao velho amigo um ou dois anos depois, para ver se ele se regenerou. Já vi casos em que, após uma queda sensível, o produtor se esforça e consegue resgatar a qualidade inicial. Ok, não é a regra.
O aumento do número de importadores e, consequentemente, da oferta de novos produtores, facilita esta aventura em busca do Santo Graal do vinho nosso de cada dia. Contudo, a faixa mais segura, como disse antes, ainda está acima de R$ 30. E, às vezes, um pequeno investimento a mais pode resultar em uma satisfação proporcionalmente muito maior do que a esperada pela diferença de preço.
Observei isto recentemente no caso dos vinhos chilenos La Ronciere, do Vale de Rapel (importados pela KMM), com quatro linhas de faixas de preços diversas, todas com valores bem coerentes. Qual delas traria a melhor relação custo-benefício?
Alpaca - R$ 38La Ronciere Selection - R$ 42La Ronciere Reserva - R$ 59Nudo - R$ 85
Se alguém está disposto a pagar R$ 38 pelo Carmenére da linha Alpaca 2008, um tinto frutado com toques de especiarias, leve na boca e com sabores de geléia e frutas vermelhas, eu recomendo fortemente desembolsar mais R$ 4 e experimentar o Carmenére 2008 da linha Selection, por exemplo. O vinho passa três meses em barrica e traz um aroma muito mais rico de frutas maduras, canela e caramelo, com um toque de pimenta vermelha na boca e um bom corpo, algo persistente. Um autêntico best value.
Outra surpresa é o Merlot 2008 da linha Selection, pelos mesmos R$ 42. Um tinto de cor rubi, com aromas intensos de frutas secas, biscoito torrado, frutas vermelhas, ótimo ataque, encorpado, acidez muito agradável e persistência média.
Neste momento, nós nos lembramos da relatividade. Digamos que você esteja disposto a gastar um pouco mais. Quem vai dizer que os R$ 85 pelo Nudo 2005 não seriam também um excelente investimento? Ele é um Cabernet Sauvignon chileno, com passagem de 12 meses em parcelas de carvalho americano, francês e do leste europeu. Tem cor escura, nariz muito potente, complexo e interessante. Excelente corpo, macio, taninos muito bem resolvidos, notas de menta, café, caramelo, chocolate, tostados, final leve mas longo e muito agradável. A descrição de um grande vinho.
A seguir este raciocínio, a linha La Ronciere Reserva, de R$ 59 (bem o target do Robert Parker!), com bons vinhos, parece estar em desvantagem em relação aos seus irmãos um pouco mais baratos e um pouco mais caros, se o que procuramos é a epifania da relação custo-benefício. Um paradoxo?
Mauricio Tagliari é compositor e produtor musical.
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